segunda-feira, 28 de março de 2011

Para minha mãe (porque a amo)

Não penso que devemos amar nossas mães apenas por serem mães. Você tem o direito de não amá-la. Parece-me quase obrigatoriamente religioso, sociológico, político, entre outras coisas mais, o “amar a mãe”. Um quase mandamento, um padrão humano de normalidade afetiva, um “dever cívico” para a barganha. Nesses termos, amar a mãe é quase uma ironia.
Ainda há o fator fisiológico da obrigação de amar pelo sofrimento que a fizemos passar, dos nove meses com insuportáveis dores nas costas e pelos seus órgãos internos deslocados, as estrias que surgiram, pressão-alta, diabetes, a dor do parto (de passagem, a pior dor do mundo), a dor pós-parto, as noites sem dormir, os bicos do peito rachados pela amamentação, o choro inexplicável, as filas de pronto-socorro. Quase a matamos, enfim, devemos amá-las.
Antes que alguém pense que não, sim, amo minha mãe, mas não por nada disso e não que esse nada seja nada. Amo minha mãe porque ela é humana. Porque sofre, e como eu, por vezes, escolhe sofrer – ao que me parece, filhos são sofrimentos. Amo minha mãe de uma maneira narcisista e desapaixonante, porque nela vejo minhas falhas, com menos ousadia, mas estão nela. E vejo as minhas dores com um tremendo medo de como será meu futuro. Minha mãe é dramaticamente real. Detesto seus desprazeres e odeio quando a odeio, mas porque tem desprazeres a amo.
É claro que ela tem atributos admiráveis e tão fáceis de dizer, mas a intensidade do meu amor por ela não se aflora nisso. Meu amor expande após uma explosão de desgaste entre nós porque vejo que eu sou ela, estou nela, em todas as coisas que considero tolices, em todas as coisas que me fazem ter raiva, em todas as coisas que me fazem querer ser diferente. Nos sorrisos e lágrimas, compartilhadas ou não.
As razões pelas quais amo minha mãe vão além do nascimento, da criação, do tempo. É um relacionamento construído, destruído e reerguido num eterno ciclo. Porque as mágoas não se vão com o vento e nem se cobrem com doçuras. Amo minha mãe porque no meio de nossas durezas, vez por outra, conseguimos nos abraçar nas necessidades de carinho, atenção, afeto e do próprio amor. Por todos os seus defeitos, tenho certeza que a amo. E sempre que me imagino sendo salva por um triz, é a mão dela que vejo, ainda que eu não a sinta.

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