Não penso que devemos amar nossas mães apenas por serem mães. Você tem o direito de não amá-la. Parece-me quase obrigatoriamente religioso, sociológico, político, entre outras coisas mais, o “amar a mãe”. Um quase mandamento, um padrão humano de normalidade afetiva, um “dever cívico” para a barganha. Nesses termos, amar a mãe é quase uma ironia.
Ainda há o fator fisiológico da obrigação de amar pelo sofrimento que a fizemos passar, dos nove meses com insuportáveis dores nas costas e pelos seus órgãos internos deslocados, as estrias que surgiram, pressão-alta, diabetes, a dor do parto (de passagem, a pior dor do mundo), a dor pós-parto, as noites sem dormir, os bicos do peito rachados pela amamentação, o choro inexplicável, as filas de pronto-socorro. Quase a matamos, enfim, devemos amá-las.
Antes que alguém pense que não, sim, amo minha mãe, mas não por nada disso e não que esse nada seja nada. Amo minha mãe porque ela é humana. Porque sofre, e como eu, por vezes, escolhe sofrer – ao que me parece, filhos são sofrimentos. Amo minha mãe de uma maneira narcisista e desapaixonante, porque nela vejo minhas falhas, com menos ousadia, mas estão nela. E vejo as minhas dores com um tremendo medo de como será meu futuro. Minha mãe é dramaticamente real. Detesto seus desprazeres e odeio quando a odeio, mas porque tem desprazeres a amo.
É claro que ela tem atributos admiráveis e tão fáceis de dizer, mas a intensidade do meu amor por ela não se aflora nisso. Meu amor expande após uma explosão de desgaste entre nós porque vejo que eu sou ela, estou nela, em todas as coisas que considero tolices, em todas as coisas que me fazem ter raiva, em todas as coisas que me fazem querer ser diferente. Nos sorrisos e lágrimas, compartilhadas ou não.
As razões pelas quais amo minha mãe vão além do nascimento, da criação, do tempo. É um relacionamento construído, destruído e reerguido num eterno ciclo. Porque as mágoas não se vão com o vento e nem se cobrem com doçuras. Amo minha mãe porque no meio de nossas durezas, vez por outra, conseguimos nos abraçar nas necessidades de carinho, atenção, afeto e do próprio amor. Por todos os seus defeitos, tenho certeza que a amo. E sempre que me imagino sendo salva por um triz, é a mão dela que vejo, ainda que eu não a sinta.
Elaborar frustrações e ressignificar a vida para não mais sobreviver. Para viver.
segunda-feira, 28 de março de 2011
domingo, 27 de março de 2011
Desejo contido (ou desarranjo)
Desarranjo é o silêncio que eu não escolhi ouvir e incomoda-me, por vezes, sem sofrimento. Outras com uma perturbadora presença de ausência. Talvez seja apenas um problema neurológico do lado direito do cérebro que me faça ter alucinações auditivas. Ou talvez apenas desejo. Quanta desculpa, quanta bobagem, quanta falta de palavras para falar de desejo, meu Deus... Desejo contido.
sexta-feira, 25 de março de 2011
Me jogue das nuvens
Meus sonhos não têm suporte algum, principalmente quando sonho com você. Deveria haver algum alicerce, coluna ou o pé de feijão do João. Mas não há nada, apenas vago no céu do sonho. Talvez meu erro tenha sido aceitar comprometer-me com toda a emoção que não me pertence. Agora já estou nas nuvens esperando você me jogar do alto...
quarta-feira, 23 de março de 2011
Homens que me fazem felizes (e suas inexistentes filosofias)
Certamente cometerei injustiças, mas vou começar por Chico. Temos uma relação tensa de amor e ódio pelas verdades que me diz, assim, como quem se ri do que provoca quando fala. E ainda canta frases que se repetem pairam o dia todo na mente.
E Leônidas? Capaz de presentear com doçura? Esse me presenteia com seus olhos ferozes e frios, que evitam a admiração confusa que o escudo não esconde. Não de mim.
Depois dele vou dizer da alegria de um malandro que fala que o melhor da vida é relaxar, rir e gozar. Esse quase canastrão sempre me tira um sorriso e sustenta o que resta de alegria se a tristeza me invadiu com suas palavras de encorajamento.
Tem outro que me ama desde que nasceu. E que hoje me engana fazendo que cresceu. Ficou marrento e bravo e meu colo já não pertence a ele. Ele é do mundo e o mundo é seu.
Não posso esquecer do carinho amigo de um outro da Arábia, tão ausente, porém detentor de todos os meus segredos. Vez por outra aparece, com o seu tapete mágico.
Ah! Tem o que me dá presentes desembrulhados que preenchem exatamente o que faltava no meu coração. O artista do momento do vazio e da indagação.
E o que ignora todas as minhas debilidades? Diga-se de passagem, por ele corrigidas há tanto tempo.
Os que gostam de mim sem me conhecer e os que eu desconheço o que por mim sentem. Os que me lêem e me aprendem. E os que raramente apreendem.
Talvez de todos, o mais verdadeiro seja Drummond, que dorme ao meu lado e me abraça com aquilo que em mim há de mais precioso: as palavras. Desculpem-me os demais.
E Leônidas? Capaz de presentear com doçura? Esse me presenteia com seus olhos ferozes e frios, que evitam a admiração confusa que o escudo não esconde. Não de mim.
Depois dele vou dizer da alegria de um malandro que fala que o melhor da vida é relaxar, rir e gozar. Esse quase canastrão sempre me tira um sorriso e sustenta o que resta de alegria se a tristeza me invadiu com suas palavras de encorajamento.
Tem outro que me ama desde que nasceu. E que hoje me engana fazendo que cresceu. Ficou marrento e bravo e meu colo já não pertence a ele. Ele é do mundo e o mundo é seu.
Não posso esquecer do carinho amigo de um outro da Arábia, tão ausente, porém detentor de todos os meus segredos. Vez por outra aparece, com o seu tapete mágico.
Ah! Tem o que me dá presentes desembrulhados que preenchem exatamente o que faltava no meu coração. O artista do momento do vazio e da indagação.
E o que ignora todas as minhas debilidades? Diga-se de passagem, por ele corrigidas há tanto tempo.
Os que gostam de mim sem me conhecer e os que eu desconheço o que por mim sentem. Os que me lêem e me aprendem. E os que raramente apreendem.
Talvez de todos, o mais verdadeiro seja Drummond, que dorme ao meu lado e me abraça com aquilo que em mim há de mais precioso: as palavras. Desculpem-me os demais.
terça-feira, 22 de março de 2011
Não quero mais te amar
Não quero mais te amar
Sem sacrilégio, sem sacrifício
Porque amor acabado não pode ser pecado
E se for, Deus do céu, há de haver redenção
Não quero mais te amar
Porque se amar já não quero, nem amo
E na perfeição dos seus atos, serei holocausto
Do orgulho ferido do seu coração
Então eu quero amar de medo
Mas que erro infeliz esse erro de amar
Você rio, debochou e eu disse eu te amo
De tudo sabia e estava enganado, meu amo
Não quero mais te amar
Sem ressentir ou culpar
Sei que por você não serei perdoado
Há de haver penitência, se não houver perdão
Não quero mais te amar
Porque se amar já não quero, nem amo
E na honestidade eterna do seu ser purificado
Não amor por você, meu pecado, é pura ingratidão
segunda-feira, 21 de março de 2011
Outra parte Marcele ao Senhor t (para saber quem sou)
Mais uma vez apresentando-me: misteriosa Marcele, talvez já nem tanto e talvez a mais misteriosa de todas. Ela ruge e morde, jamais apenas ameaça. Unhas afiadas, rasga, derrama o sangue, vê a carne, ainda que seja a própria carne - é o que ela chama de coragem. Tem olhos felinos e é mais mulher do que menina. Uma mulher que matou a menina que havia em si, assassina de canduras.
Marcele, como todas as outras escondida entre todas as outras. Mas essa grita, expõe a fúria nas ausências das necessidades. Então surgem as palavras torpes da sua bela boca em tudo avassaladora. (Mas todas as outras não o são?) Essa é a Marcele das maiores perplexidades e tão oculta em si mesma que derrete-se gelatinosa, em doce maria mole quando saciada. Ela apenas necessita ser saciada, mas não espera. É uma caçadora. Talvez tola caçadora enfrentando feras em busca de um gole d'água. Em busca de um brigadeiro.
Esconde-se na mata do próprios sentidos e essa é sua fase mais apaixonante, quando verdadeiramente se despe. Sua honestidade furiosa, no meio da vasta floresta é apenas uma tristeza incomum que não se aflora. Ou que se aflora longe dos olhos. Uma fera que quer que o amor renasça em si. É a Marcele que vê os maiores monstros quando pensa no amor. E não consegue enxergar desejos, não vê respostas, não sente paixão, ainda que em meio a desejos ardentes e na vivência de todas as paixões furiosas que não a derrubam - mas que ela tanto gostaria - por medo de que não sejam reais.
Senhor t, na verdade acho que todas as Marceles misturam-se em todos os momentos, minutos e segundos. Eu não as escolho, elas surgem. Sim, eu as escolho, elas vêem quando quero. Sou todas em uma e muito mais que todas.
Marcele, como todas as outras escondida entre todas as outras. Mas essa grita, expõe a fúria nas ausências das necessidades. Então surgem as palavras torpes da sua bela boca em tudo avassaladora. (Mas todas as outras não o são?) Essa é a Marcele das maiores perplexidades e tão oculta em si mesma que derrete-se gelatinosa, em doce maria mole quando saciada. Ela apenas necessita ser saciada, mas não espera. É uma caçadora. Talvez tola caçadora enfrentando feras em busca de um gole d'água. Em busca de um brigadeiro.
Esconde-se na mata do próprios sentidos e essa é sua fase mais apaixonante, quando verdadeiramente se despe. Sua honestidade furiosa, no meio da vasta floresta é apenas uma tristeza incomum que não se aflora. Ou que se aflora longe dos olhos. Uma fera que quer que o amor renasça em si. É a Marcele que vê os maiores monstros quando pensa no amor. E não consegue enxergar desejos, não vê respostas, não sente paixão, ainda que em meio a desejos ardentes e na vivência de todas as paixões furiosas que não a derrubam - mas que ela tanto gostaria - por medo de que não sejam reais.
Senhor t, na verdade acho que todas as Marceles misturam-se em todos os momentos, minutos e segundos. Eu não as escolho, elas surgem. Sim, eu as escolho, elas vêem quando quero. Sou todas em uma e muito mais que todas.
domingo, 20 de março de 2011
Nova carta ao Senhor t (para saber quem sou)
Novamente Marcele misteriosa porque quero sê-lo, porque gosto de sê-lo, porque sei que assim instigo, provoco, choco – por que não dizer? Amo meu salto e minhas unhas vermelhas e minhas transparências e decotes quase não consideráveis e o que todos querem saber o que há por trás disso. Há o meu riso solto e aberto para todos, mas não a revelação do meu mistério.
Olho meus olhos no espelho, minha boca no espelho, meus cabelos e parece que cada um desses pertence a alguém dentro de mim que é maravilhoso em si mesmo. Amo minhas cores e os sabores que tenho certeza que tenho. Adoro doces e sei da minha sensualidade ao chupar uma bala, um pirolito, um sorvete e gosto de fazê-lo em frente de todos, como uma criança faria, deliciando a inocência – mas todos vêem que não sou criança.
Gosto de cruzar as pernas de cor dourada e jogar a cabeça para traz com uma rebeldia controlada, para demonstrar uma alegria que encanta, uma felicidade que pertence a mim e que qualquer um gostaria de roubar. Que delícia uma alegria roubada!
Perguntam meu nome, eu repondo e frequentemente e continuo a conversa até chegar ao ponto de chegar ao ponto final. Gosto da raiva masculina causada pela certeza interna de que eles tudo possuem.
Converso com o mundo e agrada-me o colorido da vida. Já prestou atenção que tudo tem cores? Amo o sol ardendo na pele enquanto os outros procuram a sombra e amo tomar chuva e sentir a roupa grudada no corpo e os cabelos encharcados e olhar para cima enquanto todos escondem a cabeça dos pingos.
Gosto de conquistar seja lá o que for, não pela posse, mas pelo prazer da conquista. Enjoo rápido daquilo que tenho e quero sempre mais, ainda que seja o mesmo.
Se pudesse dançaria todos os dias, badalava chamando atenção até quando todos dissessem “como ela é linda!”.
Sento com pessoas diferentes e tenho conversas incrivelmente inteligentes que há quem nem aguente, mas há quem se encante e é com esses que o resto da noite vale a pena (que o resto da vida valeria).
Tenho sede do mundo, tenho sede da vida e sou incontrolável, impulsiva, capaz dos atos mais inesperados (que me causam arrependimento ou não). Essa falta de controle talvez seja para colocar para fora aquilo que ninguém jamais escutaria, entenderia ou mesmo suportaria.
Aliás, alguém suportaria a Marcele assim? Acho que querem apenas diversão, e amigo não terão. A minha diversão é diferente, é meu mistério.
Essa Marcele também não sabe amar, mas apaixona-se constantemente e como sofre e como erra nas paixões. Essa Marcele deseja ardentemente, ela é o próprio Desejo. Ela é viva, ela é vida, mas corta-se em pensamentos ao fim do dia quando a explosão se acaba porque não há explosão diária, porque o coração não aguenta. Nem o dela, nem o de ninguém.
Carta ao Senhor t (para saber quem eu sou)
Sou a misteriosa Marcele, tenho 29 anos e sou uma mulher um tanto menina. Menina porque tenho a sensação que deixei em branco pelo menos uns sete ou mais anos de vida para traz, assim sem vivê-los de forma natural. Anos que fizeram de mim quem sou hoje, essa mulher menina, menina mulher, como escreveu Gonzaguinha. Sim, concordo a respeito de todo mistério que me envolve, tantos já o disseram, com os mais diversos fins. Mas não por isso, por tantas vezes perguntar a mim, afinal quem é você? Olho-me no espelho e descubro diversas. Olho para minha alma, outras tantas. Talvez eu goste de ser misteriosa por puro medo de saber a verdade do espelho e da alma.
Não me importo muito com lugares. Claro que gosto de belos lugares, dos mais falados e fotografados, em fim, mas prefiro o ar puro, o céu estrelado, os cheiros, os sabores, o toque, as cores, as lembranças doces.
Qualquer um me faz chorar de emoção. Sou extremamente sensível e poucos entendem tanta sensibilidade e talvez nem tenham mesmo que entender. Escondo-me muitas vezes para chorar, em outras, não é possível, então paro choro ali mesmo. Acho que chorar deveria ser natural como sorrir. Ninguém olha para você se você sorri, mas se espanta quando chora.
Sou detalhista em palavras. Percebo todas as palavras quando direcionadas a mim e as guardo no coração. Eu deveria andar com uma placa dizendo: cuidado com o que me diz. Muitas vezes transformo pessoas, sutilmente, em textos e acho que as eternizo. Muitas vezes a transformo em emoção e nem queira saber o que acontece. Muitas vezes acredito nas palavras impensadas e aleatórias que me dizem e como me firo com isso.
Ao mesmo tempo, o mundo distrai-me. Poucas coisas realmente prendem-me, amarram-me, surpreendem meus olhos e ficam na minha memória. Talvez por isso eu goste da Arte, porque para mim ela é o mundo transformado, nem belo, nem feio, mas feito pra ser visto de forma incômoda.
Disseram-me que sou sensual sem ser vulgar e que tenho um olhar cativante. Acredito nisso tudo, e que esse tudo acontece com a maior naturalidade. Mas sou tímida, a ponto de às vezes não conseguir olhar mais de três ou quatro segundos fixamente nos seus olhos. A não ser que você seja uma criança, ou a não ser que seus olhos me fitem. No caso de não ser criança, você inteiro deve me fitar para que eu o olhe, e será inesquecivelmente encantador para mim.
Sou uma garota de poucos sorrisos, mas que gosta de sorrir. Gosto de quem me faz sorrir e meus sorrisos serão sempre, sempre, sempre sinceros. Acho que fujo da minha própria alegria porque não sei onde a encontro. E tenho medo de encontrá-la em lugares obscuros, secretos, proibidos, onde por vezes já encontrei. Então fico pescando a alegria alheia. Não que as queria para mim, apenas para senti-las um pouco.
Sou contida, introspectiva e poética até em conversas informais. Amo conversar e se estiver só, sou capaz de encontrar pessoas para qualquer assunto e achá-las interessante, desde um jardineiro até um físico-quântico - e essas situações não são hipotéticas. Nunca me sinto deslocada, alguém sempre tem algo a ensinar e eu tenho sede de aprender. Não me importo muito com lugares. Claro que gosto de belos lugares, dos mais falados e fotografados, em fim, mas prefiro o ar puro, o céu estrelado, os cheiros, os sabores, o toque, as cores, as lembranças doces.
Qualquer um me faz chorar de emoção. Sou extremamente sensível e poucos entendem tanta sensibilidade e talvez nem tenham mesmo que entender. Escondo-me muitas vezes para chorar, em outras, não é possível, então paro choro ali mesmo. Acho que chorar deveria ser natural como sorrir. Ninguém olha para você se você sorri, mas se espanta quando chora.
Sou detalhista em palavras. Percebo todas as palavras quando direcionadas a mim e as guardo no coração. Eu deveria andar com uma placa dizendo: cuidado com o que me diz. Muitas vezes transformo pessoas, sutilmente, em textos e acho que as eternizo. Muitas vezes a transformo em emoção e nem queira saber o que acontece. Muitas vezes acredito nas palavras impensadas e aleatórias que me dizem e como me firo com isso.
Ao mesmo tempo, o mundo distrai-me. Poucas coisas realmente prendem-me, amarram-me, surpreendem meus olhos e ficam na minha memória. Talvez por isso eu goste da Arte, porque para mim ela é o mundo transformado, nem belo, nem feio, mas feito pra ser visto de forma incômoda.
Gosto de ler e escrevo compulsivamente, escrevo mentalmente, escrevo com lápis, caneta, em cadernos e guardanapos. Se minha mente registrasse meus textos o mundo leria coisas tão belas. Mas escrevo mesmo é para mim, para colocar para fora coisas que ninguém jamais escutaria, entenderia, ou mesmo suportaria.
Sou musical, mas ultimamente não tenho cantado, abandonei o violão, vendi o violino. Estou desaprendendo a espantar meus males. Preciso voltar a cantar.
O amor para mim é incompreensivo, não aprendi muito sobre ele desde garotinha. Sou péssima em amar, desculpem-me todos. Mas quero aprender, e às vezes quero ridiculamente aprender sozinha. Pensando bem, não é tão ridículo, porque posso aprender a amar-me, o que é difícil, porque sou todas essas coisas e uma porção de outras espantosas, monstruosas, não tão belas, mas que não me envergonho de contar.
sábado, 19 de março de 2011
Olhos barrentos
Por que dizer abranda, alivia a carga da dor? E quando não se pode, por respeito ou por amor? E você vai achar estranho dizer amor e eu ficarei substituindo as palavras para passar o tempo de sentir o peso de não falar o quanto pesa meu coração. Não possso dizer por carinho, amizade, consideração, afeto, afeição. Enquanto isso seus olhos fitam-me rapidamamente para que eu não os perceba que são um rio de águas barrentas. Esses olhos de de água doce, de rio profundo e largo de margem a margem. Interessam-me esses olhos - ao que me parecem - de pouca vida. Não quero as redes, porque penso que, as vezes, você gosta do emaranhado das redes, elas o sustentam, o mantém na tentativa da resposta do por quê seus olhos, coração da alma, são assim. Não posso dizer o que quero, enquanto você só permite a mim atravessar o rio, e tantas vezes me arranca dele pelos braços como se eu não soubesse nadar, como se delicadeza que transfroma a paisagem em bela e nova o incomodasse. Já estou molhada, rasguei-me em suas redes, meus braços já cansaram-se prazeirosamente. Eu quero, por algum motivo, a outra margem do rio. Porque não tenho apenas beleza, tenho uma força que permitirá andar no ventre do rio ou como disse o poeta "na terceira margem". Aliviaria ainda mais, se com coragem, você olhasse nos meus olhos.
Planos desconhecidos
Nunca fui dessas que costuma fazer muitos planos. Aprendi que deveria, mas ainda não os faço a longo prazo. Ao mesmo tempo fico na expectativa de que um algo incerto acerte em cheio meus olhos furiosos trazendo-me calma. Seria o algo que deu certo dos planos para o futuro ou apenas a expectativa de vislumbrar o desconhecido?
quinta-feira, 17 de março de 2011
Sorriso da alma
Quero ofertar um sorriso da alma. O do rosto você já conhece, mas quero que sinta o da alma, o que instiga, provoqua, seduz, mas não machuca (embora as vezes eu gostaria que sim). Essa sou eu depois da tristeza, sem nada que me segure porque não há mundo ao meu redor. Procuro almas sorridentes, abertas ao meu abraço e aos que me abracem, apenas isso. Mas não creio que seja essa a sua alma porque sua tolice o faz crer que tudo o machuca. E eu gostaria que meu sorriso o ferisse, como já disse, mas ele não vai porque é apenas sorriso, e os meus não são mentiras. Sorrisos não plantam problemas, apenas arrancam as ervas daninhas. Receba meu sorriso, meu presente aberto, desembrulhado, sem esperança de troca. E eu nem me importo se me ferir nos seus espinhos que inundam o caminho que me leva até a sua alma, contanto que você receba meu sorriso. Seu tolo, inerte, medroso e ferido em si mesmo, receba o sorriso da minha alma que eu oferto com respeito e gratidão.
Que droga de beijo
Chega e buzina.
"Já vou abrir!"
Apanho a chave que nunca encontro, e no portão, ele faz a mesma pergunta de sempre, repete a mesma frase de sempre. Boca-na-boca ridiculamente chamada de beijo. Às vezes um cheiro bom de perfume faz crescer as expectativas da noite que logo morrem quando ele olha para mim com mesmo olhar.
Eu, salto, vestido provocante, a maquiagem que combina com o tom da pele e da lua.
"Oi".
E fico esperando um algo assim mais aconchegante que não vem, então passo a não esperar mais nada. Mas que droga de noite. "Oi?" Mas que droga de "oi", mas que droga de "beijo", mas que droga de adornos que mais parecem o figurino de uma cena que deveria ser feliz.
"Você está quieto".
"Você está quieta".
E o silêncio torna-se motivo de uma agravante briga repetitiva que começou no portão. No portão? Na porta do coração. Naquilo que deveria ser semeado e não foi.
Erramos.
"Para onde vamos?"
"Para onde você quiser."
"Eu quero um lugar diferente"
E lá vamos nós para o mesmo lugar porque a minha palavra não vence, e ele rindo de mim dizendo que eu não aguento badalar.
A conversa flui algumas vezes agradável. Outras vezes eu apenas o ouço com raiva de algumas palavras que fico repetindo e engolindo dentro da minha cabeça. Tento ser agradável e de repente falar de mim? Melhor calar, porque pra ele só tenho erros. Então me calo.
E a noite vai terminando do mesmo jeito que sempre termina.
Por vezes com uma conversa dolorida "eu não sei mais o que faço porque você não era assim". Então eu choro, porque eu não era assim e não sei o que me fez tão diferente.
Ele deixa que eu chore um choro dolorido e espantoso por um tempo que parece eterno. E o choro é apenas o pedido do abraço depois do portão aberto.
O consolo é a cobrança do "mude por favor, seja o que era". E o choro continua no travesseiro porque o que era já foi, já não pode ser. Nem ele é, mas insiste em dizer "eu não mudei".
"Já vou abrir!"
Apanho a chave que nunca encontro, e no portão, ele faz a mesma pergunta de sempre, repete a mesma frase de sempre. Boca-na-boca ridiculamente chamada de beijo. Às vezes um cheiro bom de perfume faz crescer as expectativas da noite que logo morrem quando ele olha para mim com mesmo olhar.
Eu, salto, vestido provocante, a maquiagem que combina com o tom da pele e da lua.
"Oi".
E fico esperando um algo assim mais aconchegante que não vem, então passo a não esperar mais nada. Mas que droga de noite. "Oi?" Mas que droga de "oi", mas que droga de "beijo", mas que droga de adornos que mais parecem o figurino de uma cena que deveria ser feliz.
"Você está quieto".
"Você está quieta".
E o silêncio torna-se motivo de uma agravante briga repetitiva que começou no portão. No portão? Na porta do coração. Naquilo que deveria ser semeado e não foi.
Erramos.
"Para onde vamos?"
"Para onde você quiser."
"Eu quero um lugar diferente"
E lá vamos nós para o mesmo lugar porque a minha palavra não vence, e ele rindo de mim dizendo que eu não aguento badalar.
A conversa flui algumas vezes agradável. Outras vezes eu apenas o ouço com raiva de algumas palavras que fico repetindo e engolindo dentro da minha cabeça. Tento ser agradável e de repente falar de mim? Melhor calar, porque pra ele só tenho erros. Então me calo.
E a noite vai terminando do mesmo jeito que sempre termina.
Por vezes com uma conversa dolorida "eu não sei mais o que faço porque você não era assim". Então eu choro, porque eu não era assim e não sei o que me fez tão diferente.
Ele deixa que eu chore um choro dolorido e espantoso por um tempo que parece eterno. E o choro é apenas o pedido do abraço depois do portão aberto.
O consolo é a cobrança do "mude por favor, seja o que era". E o choro continua no travesseiro porque o que era já foi, já não pode ser. Nem ele é, mas insiste em dizer "eu não mudei".
quarta-feira, 16 de março de 2011
Provas de um não amor
Você não se importa. Não se importa com o abandono na sala de estar (ou qualquer outro lugar) e desculpa-se porque estou confortável. Cinco, seis, dez horas esperando, tanto faz. Mas você não sabe que bancos, estofados, almofadas, cama, o próprio sono, nada disso conforta o coração. Mas você não se importa porque simplesmente não me abandonou na rua, na chuva, perdida. Eu preferia estar na chuva, na rua e perdida, porque isso sim seria o meu conforto, eu me encontraria, mas você não se importa.
Você não se importa com o abandono na mesma sala, com a ausência de si mesmo, e diz que estar ali é o que importa, em outras palavras, você é o que importa.
Você não se importa se é com você que me importo, se me desdobro, se dou piruetas, ando na corda banda e enfrento os leões. Você não se importa se quero cuspir fogo pela boca, porque meu dever de mulher é ser muda.
Você não se importa se fiquei bela, se existem olhares me olhando. Não percebe que fiquei bela para você porque pensa que me possui. Nem percebe que fiquei bela.
Você não se importa se estou feliz com o espelho e me pede mudanças aqui e ali, para trocar a peruca de menina de cera, amenizar a maquiagem, mudar a cor da roupa. Se sou o que sou, você não se importa.
Você não se importa com minha angústia, porque para você é injustificável. Não se importa se quero falar, se preciso falar. Você não se importa se não me entende e o único esforço que faz é que para que eu seja sua bonequinha de luxo, ao seu modo, sorridente.
Você não se importa se passo as noites chorando, contanto que não veja as lágrimas. Não se importa que eu sofra, contanto que não veja o semblante. Não se importa que me fira, contanto que não veja o corte.
Você não se importa se não me ver, nem com minhas necessidades. Não se importa se me comprometo e me quer livre quando me quer.
E é de tanto não se importar que eu olho assim para você, como se a falta de importância nem tivesse importância.
Você não se importa com o abandono na mesma sala, com a ausência de si mesmo, e diz que estar ali é o que importa, em outras palavras, você é o que importa.
Você não se importa se é com você que me importo, se me desdobro, se dou piruetas, ando na corda banda e enfrento os leões. Você não se importa se quero cuspir fogo pela boca, porque meu dever de mulher é ser muda.
Você não se importa se fiquei bela, se existem olhares me olhando. Não percebe que fiquei bela para você porque pensa que me possui. Nem percebe que fiquei bela.
Você não se importa se estou feliz com o espelho e me pede mudanças aqui e ali, para trocar a peruca de menina de cera, amenizar a maquiagem, mudar a cor da roupa. Se sou o que sou, você não se importa.
Você não se importa com minha angústia, porque para você é injustificável. Não se importa se quero falar, se preciso falar. Você não se importa se não me entende e o único esforço que faz é que para que eu seja sua bonequinha de luxo, ao seu modo, sorridente.
Você não se importa se passo as noites chorando, contanto que não veja as lágrimas. Não se importa que eu sofra, contanto que não veja o semblante. Não se importa que me fira, contanto que não veja o corte.
Você não se importa se não me ver, nem com minhas necessidades. Não se importa se me comprometo e me quer livre quando me quer.
E é de tanto não se importar que eu olho assim para você, como se a falta de importância nem tivesse importância.
terça-feira, 15 de março de 2011
Abandono justificável
Não, eu realmente não sou forte. Não consigo ultrapassar certos obstáculos e algumas vezes sento-me em frente a eles e os fico observando e choro feito criança, como se não pudesse me levantar e tirar aquela tralha do meu caminho.Nunca pratiquei nem um ato memorável sequer, não sou digna de louros, não sou merecedora da vida, não possuo a coragem dos grandes. Sou fraca e cometo erros inúmeros - não desses habituais, dos simples mortais, que passam despercebidos. Eu realmente erro, cometo erros absurdos e repito-me nos erros, embaraço-me neles, naqueles que todos dizem "não-faça-de-novo", lá vou eu fazê-los novamente e perder-me novamente e ouvir da minha própria consciência "quanta-falta-de-habilidade" porque já não é inocência. Depois do erro não há quem segure a minha mão, mas eu mereço. Como posso receber abraços se julgo, aponto, murmuro, num crescente de ingratidão. Eu mereço minha mão vazia, meus braços vazios e a solidão de apenas olhar para o obstáculo. Sou realmente cruel nas palavras, na imposição das posições, no olhar que não perdoa. Sou uma garota malvada, é justificável esse abandono.
segunda-feira, 14 de março de 2011
Que o mundo se exploda
Que vontade de fugir desse nada que eu quero, que nunca me pertenceu, porque na verdade estou absolutamente sozinha acreditando em um monte de baboseiras, acreditando na estupidez do mundo e compreendendo seus problemas e carregando com fervor um presente alheio cheio de convicções baratas. Talvez por isso eu prefira o meu passado e não espere nada do futuro. Por favor, não me avise que fui avisada porque seria a desculpa mais esperada e sentimentos são inesperados, além do mais eu me sentiria ainda mais estúpida por fazer parte de toda essa estupidez - e sinceramente, espero mais de você. Quero estar sozinha para chorar os cheiros do desespero e degustar os olhares dessa natureza quase morta que me habita. Estou rodeada de mim sem saber quem eu sou, quase a me despir antes do abismo. Que interessam os erros cometidos e recometidos? As dores sentidas e ressentidas? As palavras ditas e desditas? As emoções vividas e mortas? Divididas? Mentidas? Remoídas? O que seriam os acertos afinal? Acertariam as necessidades desse vazio? Do vazio que habita o mundo? As pessoas vivem a trombar-se umas nas outras como cegas e quando vêem umas as outras fazem questão de furar seus próprios olhos - por falta de elaboração ou repertório? Admito que sou realmente parte de todos esses estúpidos, então quero mais que o mundo se exploda.
domingo, 13 de março de 2011
Por que tinha que ser assim?
Andava com certa irritabilidade empurrando o carrinho. Odiava fazer compras, pagar contas e todas aquelas responsabilidades pós trabalho que pareciam cair-lhes nas costas. Foi quando enquanto numa lentidão de pensamentos além da habitual - porque não era ali que ela estava, estava no trabalho doméstico obrigatório e na visão horripilante daquele ser mascando um bagaço de laranja em frente a TV - escolhia a massa de tomate. Apanhou uma latinha qualquer -com-tempero-sem-tempero-concentrada-suave- quanta diversidade para uma latinha que no fim das contas não temperaria sua vida e nem lhe daria concentração ou suavidade para a solução das suas questões existenciais. "Quanta filosofia numa lata de massa de tomate", pensou quando virou o rosto e o viu.
Não sabia se ele a reconheceria, mas era o homem de sua vida, como muitas diriam, como ela já disse e pensava naquele instante. Virou rapidamete o rosto para fingir que não o havia visto, tornou para as latas, e numa tentativa de disfarce a devolveu na prateleira. Trocou a lata, apanhou mais latas, derrubou as latas, desequilibrou do salto, derrubou a prateleira. E aquele embaraço era apenas, sem que ela soubesse, o desejo de mudar a vida, de tentar outras opções, e ver que nenhuma outra lhe cabia, ver que lhe caíram as tentativas das mãos, era desequilibrar a mente e derrubar a alma.
Chamou a atenção. Ele a viu e riu. Ajoelhou ao seu lado e a ajudou a recolher alguma coisa que podia ser recolhida naquele drama interior que ela vivia em meio a uma aparente cômica situação. Mas ele segurou suas mãos por mais de cinco segundos enquanto alguém anunciava no microfone "colaboradora fulana, compareça ao setor de sei lá o quê". Ele lembrava dela, "não havia como não lembrar".
Fitou os olhos dela, laceou, deu um nó e os fixou nos dele sem sorriso algum. A olhou tão profundamente que no momento ela não entendeu porque não se beijaram ardentemente em meio a todas as latas amassadas, em meio a vermelhidão escorrida e mal cheirosa da massa de alguns potes de vidro que haviam se quebrado. Que danassem os cortes. O coração já estava cortado. Ela queria o beijo, o abraço, uma atenção a mais do que o olhar. E ele, ainda com os olhos pregados nos dela e nela toda, empurrou suas mãos pequenas contra o chão com suavidade e as apertou com força. Sem sorriso ou qualquer expressão perceptível disse muito baixo "perdão" ao pé do ouvido, o que à ela pareceu um delírio sonoro. Então uma mulher virou o corredor de mãos dadas a uma criança "querido, estava procurando por você".
E ela, chocada, evocou do seu âmago algo que chamou de estupidez e que a fez dizer "desculpe, ele só estava tentando ajudar a arrumar a bagunça que fiz". A mulher sorriu "não se preocupe, a moça da limpeza está vindo, vamos amor".
Ela, sem saber como extaria seu rosto -alegre-triste-franzido-assustado- agradeceu de cabeça baixa, e só a levantou quando percebeu que estavam todos de costas, menos a criança que ainda olhava para tras. Eles foram. Ele foi-se. Ele já havia ido há tanto tempo. Ficou imaginando aquele quadro de família feliz, o "filho que eu nunca teve", "o amor que nunca teve", "a mulher que gostaria de ter sido".
Quão melhor tudo aquilo poderia ser do que sua medíocre vida que naquele instante ela queria que acabasse. Chorou de maneira amargurada, sem esconder lágrimas ou soluços, ali mesmo em meio as latas de massas de tomate. Abandonou tudo e voltou para casa onde ninguém perceberia que não havia compras, ou sujeira, ou dor, que não havia ela.
Tomou um banho, secou os cabelos, não como de costume, quis estar bonita - e era tão bonita - perfumada, maquiagem leve, roupinha insinuante para provocar na sacada. E provocou. Não queria beber, nem fumar, nem qualquer outra excitação - apenas ser vista. E o foi, de maneira insistente, variada, por homens de todas as idades. Não se comoveu, talvez porque não se amava.
Foi para a cama onde o marido já estava a sabe-se lá quanto tempo depois do futebol, da cerveja, dos amigos, do papo imbecíl que ela não queria ouvir. Encolheu-se no seu canto da cama o máximo que pode e novamente chorou pensando na "família feliz que vira no mercado" e mais ainda no homem que poderia estar ao seu lado. Não, não poderia, era apenas o que ela queria. Olhou para o teto do quarto e "meu Deus, poderia ser diferente". Olhou rapidamente para o lado a fim de que o marido não a percebesse de maneira alguma e pensou "por que tinha que ser assim?". Dormiu embalada com o choro mudo. Lágrimas e olhos fechados e vermelhos. Engoliu todos os suspiros da mesma maneira que engolia a vida.
Não sabia se ele a reconheceria, mas era o homem de sua vida, como muitas diriam, como ela já disse e pensava naquele instante. Virou rapidamete o rosto para fingir que não o havia visto, tornou para as latas, e numa tentativa de disfarce a devolveu na prateleira. Trocou a lata, apanhou mais latas, derrubou as latas, desequilibrou do salto, derrubou a prateleira. E aquele embaraço era apenas, sem que ela soubesse, o desejo de mudar a vida, de tentar outras opções, e ver que nenhuma outra lhe cabia, ver que lhe caíram as tentativas das mãos, era desequilibrar a mente e derrubar a alma.
Chamou a atenção. Ele a viu e riu. Ajoelhou ao seu lado e a ajudou a recolher alguma coisa que podia ser recolhida naquele drama interior que ela vivia em meio a uma aparente cômica situação. Mas ele segurou suas mãos por mais de cinco segundos enquanto alguém anunciava no microfone "colaboradora fulana, compareça ao setor de sei lá o quê". Ele lembrava dela, "não havia como não lembrar".
Fitou os olhos dela, laceou, deu um nó e os fixou nos dele sem sorriso algum. A olhou tão profundamente que no momento ela não entendeu porque não se beijaram ardentemente em meio a todas as latas amassadas, em meio a vermelhidão escorrida e mal cheirosa da massa de alguns potes de vidro que haviam se quebrado. Que danassem os cortes. O coração já estava cortado. Ela queria o beijo, o abraço, uma atenção a mais do que o olhar. E ele, ainda com os olhos pregados nos dela e nela toda, empurrou suas mãos pequenas contra o chão com suavidade e as apertou com força. Sem sorriso ou qualquer expressão perceptível disse muito baixo "perdão" ao pé do ouvido, o que à ela pareceu um delírio sonoro. Então uma mulher virou o corredor de mãos dadas a uma criança "querido, estava procurando por você".
E ela, chocada, evocou do seu âmago algo que chamou de estupidez e que a fez dizer "desculpe, ele só estava tentando ajudar a arrumar a bagunça que fiz". A mulher sorriu "não se preocupe, a moça da limpeza está vindo, vamos amor".
Ela, sem saber como extaria seu rosto -alegre-triste-franzido-assustado- agradeceu de cabeça baixa, e só a levantou quando percebeu que estavam todos de costas, menos a criança que ainda olhava para tras. Eles foram. Ele foi-se. Ele já havia ido há tanto tempo. Ficou imaginando aquele quadro de família feliz, o "filho que eu nunca teve", "o amor que nunca teve", "a mulher que gostaria de ter sido".
Quão melhor tudo aquilo poderia ser do que sua medíocre vida que naquele instante ela queria que acabasse. Chorou de maneira amargurada, sem esconder lágrimas ou soluços, ali mesmo em meio as latas de massas de tomate. Abandonou tudo e voltou para casa onde ninguém perceberia que não havia compras, ou sujeira, ou dor, que não havia ela.
Tomou um banho, secou os cabelos, não como de costume, quis estar bonita - e era tão bonita - perfumada, maquiagem leve, roupinha insinuante para provocar na sacada. E provocou. Não queria beber, nem fumar, nem qualquer outra excitação - apenas ser vista. E o foi, de maneira insistente, variada, por homens de todas as idades. Não se comoveu, talvez porque não se amava.
Foi para a cama onde o marido já estava a sabe-se lá quanto tempo depois do futebol, da cerveja, dos amigos, do papo imbecíl que ela não queria ouvir. Encolheu-se no seu canto da cama o máximo que pode e novamente chorou pensando na "família feliz que vira no mercado" e mais ainda no homem que poderia estar ao seu lado. Não, não poderia, era apenas o que ela queria. Olhou para o teto do quarto e "meu Deus, poderia ser diferente". Olhou rapidamente para o lado a fim de que o marido não a percebesse de maneira alguma e pensou "por que tinha que ser assim?". Dormiu embalada com o choro mudo. Lágrimas e olhos fechados e vermelhos. Engoliu todos os suspiros da mesma maneira que engolia a vida.
sábado, 12 de março de 2011
Então?
Seus olhos enigmáticos não me disseram ou fiquei cega de emoção... Mas preciso saber, só para não me habituar a esse canto tão conhecido do meu pensamento.
sexta-feira, 11 de março de 2011
Muda (Nem sei falar)
Embora esteja emplodindo, não consigo fazer poesia. Não tenho rima, não tenho ritmo, perdi os versos. As palavras fogem dos dedos, da boca e amontoam-se neste coração transbordantemente poético, mas calado. Coração que fervilha um sentimento de quase pureza de alma cheirando à pólvora, de um amontoado de pétalas brancas caindo de flores vermelhas, de uma estrada de espinhos presentes que sorriem. Espinhos tão preciosos que chegam a fazer cócegas no ventrículo direito do coração, talvez por isso eu nem respire. E vejam que enquanto minha mente encolhe a poesia, a vida vai me cercando dela. Chove para mim e eu bebo chuva, que se não lava a alma, encharca o ânimo do corpo doído, marcado e gostoso de tão cansado. Mesmo inexpressiva, como me sinto com esse coração tão mudo, levanto a cabeça para e molhar o rosto porque a chuva é toda minha. Porque quero dormir depois de ter encharcado a alma de um algo do céu que já estava em mim, de um algo meu que despertou neste agora de explosão de sentidos. Se você tem fogo, não chegue perto, a não ser que queira se queimar. Não, calma, ainda chove, e eu brinco porque queria fazer poesia. Enquanto não consigo, vou me escorrendo com os respingos - ou seria rastro de pólvora - e deixando minha marca, meu cheiro, minha pele pelo chão.
quarta-feira, 9 de março de 2011
Cansaço
Cansada de estar cansada e de tentar consertar o cansaço com conversas desgastantes. Cansada de ouvir que minha voz pausada e quieta causa cansaço. Cansada da cobrança do riso. E nessa cansativa e repetitiva cobrança de riso, não vou sorrir. Vou continuar quieta porque estou cansada.
segunda-feira, 7 de março de 2011
Samba rei
Ninguém vai gostar desse samba enredo descompassado e quieto. Samba que embrulha um choro engasgado e mudo. Samba que não vira riso ou dança. Samba que cansa, que é só poesia, que nem é samba.
Samba ausente que não é pra ser gostado. Samba que me deixa na cama, sem lençol e nua, balbuciando uma dor tão minha e crua. Samba que nem é poesia, que é só um samba que nem ousa ser samba porque com ele ninguém samba.
Mas eu lhe peço que jogue confete e serpentina nesse samba tolo e me faça rainha. Reescreva a poesia inventando alegria. Joque cetim na minha cama fria. me embrulhe e me faça feliz com tudo que você é, com o que eu sou e não sei.
Então deixo de lado esse samba enredo mudo e desembrulho a fala. Vou no seu compasso com meu coração quente e pra você eu rio e danço. Canto o seu samba e a sua poesia, assumo seu samba com toda ousadia. Assumo você como meu samba rei.
Samba ausente que não é pra ser gostado. Samba que me deixa na cama, sem lençol e nua, balbuciando uma dor tão minha e crua. Samba que nem é poesia, que é só um samba que nem ousa ser samba porque com ele ninguém samba.
Mas eu lhe peço que jogue confete e serpentina nesse samba tolo e me faça rainha. Reescreva a poesia inventando alegria. Joque cetim na minha cama fria. me embrulhe e me faça feliz com tudo que você é, com o que eu sou e não sei.
Então deixo de lado esse samba enredo mudo e desembrulho a fala. Vou no seu compasso com meu coração quente e pra você eu rio e danço. Canto o seu samba e a sua poesia, assumo seu samba com toda ousadia. Assumo você como meu samba rei.
sábado, 5 de março de 2011
Não quero me habituar
Como é que posso esquecer? Eu sei que passou, mas não está dando certo essa história de apagar lembranças. Eu sei que não sou mais aquela garotinha que na verdade eu nem sei quem foi. Mas como é que vou saber quem sou se não lembrar dela?
Não sofrer por ela, tudo bem. Vamos sepultá-la, cremá-la e jogar as cinzas no mar. Eu nem quero as cinzas do sofrimento, mas ela faz parte de algo que me entristece e que até me alegra. Preciso entendê-la porque a vida me confunde, não pelo que foi, estou falando do presente, deste concreto inexistente que sou eu. Porque às vezes penso que nem sou, e confundo-me perdida em pensamentos de alguma coisa perdida. No tempo? No espaço? Bem aqui na minha frente? Bem aqui dentro de mim?
Que novos hábitos preciso adquirir, afinal? Parar de pensar? Eu já não brinco de bonecas e pago as minhas contas. Seria o hábito de não sonhar? Eu sonho como uma garotinha? Como posso saber se sonho como uma garotinha se não lembro dos meus sonhos enterrados de garotinha. Mas não quero os sonhos antigos, quero estes de agora. Permitam-me sonhar sem dizer que exagero nos desejos. Por que não posso querer muito? Querer sempre muito. Querer todos os desejos. Acho as amenidades repulsivas. Não quero me habituar a amenidades.
Não sofrer por ela, tudo bem. Vamos sepultá-la, cremá-la e jogar as cinzas no mar. Eu nem quero as cinzas do sofrimento, mas ela faz parte de algo que me entristece e que até me alegra. Preciso entendê-la porque a vida me confunde, não pelo que foi, estou falando do presente, deste concreto inexistente que sou eu. Porque às vezes penso que nem sou, e confundo-me perdida em pensamentos de alguma coisa perdida. No tempo? No espaço? Bem aqui na minha frente? Bem aqui dentro de mim?
Que novos hábitos preciso adquirir, afinal? Parar de pensar? Eu já não brinco de bonecas e pago as minhas contas. Seria o hábito de não sonhar? Eu sonho como uma garotinha? Como posso saber se sonho como uma garotinha se não lembro dos meus sonhos enterrados de garotinha. Mas não quero os sonhos antigos, quero estes de agora. Permitam-me sonhar sem dizer que exagero nos desejos. Por que não posso querer muito? Querer sempre muito. Querer todos os desejos. Acho as amenidades repulsivas. Não quero me habituar a amenidades.
quinta-feira, 3 de março de 2011
quarta-feira, 2 de março de 2011
Aprender a sorrir
Quem foi que me ensinou este choro? Foi o mesmo que em mim pôs esta dor? Quem foi que me ensinou a sorrir? Por que insistiu tão pouco? Por que não quis me encher de mais alegria e mais e mais? Pois cabia neste vazio todo. As pinturas rupestres deste coração são marcas de um desenho para o qual não quero olhar. Nem sei se são minhas as marcas vermelhas daquelas mãos. Para que preservar essa história?
Quero aprender a sorrir melhor. Quero um novo coração, e que seja jardim e não caverna. Quero plantar flores e não voltar à caça daquilo que nunca tive. Preciso plantar minhas flores. Meus jasmins delicados. Ter flores a oferecer. Cuidar do meu jardim para que você tenha prazer de estar comigo. Eu vou cuidar, eu prometo, porque quero mais do que apenas eu no meu coração.
Quero aprender a sorrir melhor. Quero um novo coração, e que seja jardim e não caverna. Quero plantar flores e não voltar à caça daquilo que nunca tive. Preciso plantar minhas flores. Meus jasmins delicados. Ter flores a oferecer. Cuidar do meu jardim para que você tenha prazer de estar comigo. Eu vou cuidar, eu prometo, porque quero mais do que apenas eu no meu coração.
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