sábado, 9 de abril de 2011

Carta ao meu flautista mágico, Luiz Marcelo

Sinto saudades do James Galwey pelo chão do quarto mais meu do que seu, e inteiramente tomado por você. Gavetas e estante quase minhas, repartidas. Sinto saudades de repartir.
Não vejo mais meu violão deitado em meio aos lençóis desarrumados – por você – da minha cama. Sinto falta do seu siso em achar braveza em mim pela desordem que eu até permitia. Sinto falta do ciúme que eu sentia de você pela minha falta de talento.
Saudades da erudição nem tão rebuscada, rígida e categórica. Da paciência de, vez por outra, me ensinar a cantar. E cantar comigo, sem se importar o quê.
Sinto falta de quando meus conselhos lhe serviam, de quando você os buscava, de quando via em mim credibilidade para tanto. De ser sua confidente.
E por toda falta, gosto de quando se enfia por aqui, surpreendendo-me ao me ensinar uma coisa ou outra do que a vida lhe ensinou. Surpreendendo-me por não saber outras tantas, por esquecer-se de minhas limitações, fragilidades, diferenças. E não perceber o quanto somos parecidos e pequenos e vulneráveis.
Menino, sei que o carinho não acabou, mas anda enrustido. Que droga de vida adulta, não é? Ah! Como eu tinha medo que você bebesse dessa água que essa gente que cresce é obrigada a beber.
Queria você criança novamente, e se voltasse a me perguntar sobre a vida, eu seria mais desonesta, inventaria outra história bonita que durasse mais um pouco. Mas sempre fui sincera e lhe peço desculpas por isso, e ainda peço que nada mais me pergunte do resto que sei, porque prefiro não contar. E como você cresceu, já é tarde pra inventar.
Tão grande menino grande, como amo você. E todo o seu talento sem máscara alguma e toda sensibilidade sem vergonha. Orgulho-me meu menino, embora você não seja meu. E peço que volte a olhar nos meus olhos e que fixe apenas no olhar quando perceber minha roupagem espinhosa de “afaste-se, por favor”, porque o que o coração grita é “aproxime-se mais e mais e mais”. Eu tenho muitas flores, “meu filho”, para oferecer, embora não possa ser sua mãe e muito menos heroína.
Lamento tanto seus olhos tristes esvaziando-se de expectativas. Não permita, é tão cedo. Tudo vai acontecer, meu menino de dedos e sopros mágicos. Você está apenas no ensaio da vida. Há um tudo tão lindo esperando você no dia do infinito espetáculo inesquecível, quando você perceber as cortinas abertas e o mundo todo seu, assim como meu quarto foi um dia. Você só precisa ser você para tocar o mundo que lhe espera. Então, toque menino. Você é a canção mais bela que eu já conheci.
Quero nossa cumplicidade, troca, compreensão do inesperado, e esperanças conjuntas novamente. Nossas antíteses diárias de gargalhar de coisas absurdamente tristes, sabendo que são tristes, e conscientes ainda mais da vontade da leveza. Intuitivamente percebemos a necessidade da leveza, e talvez seja por isso que sejamos quase um, e únicos ao mesmo tempo. Unidade fraternal limitada pelo o tudo que jamais tiraremos do entre nós. Um tudo que nos perpetua nós, jamais apenas eu.

3 comentários:

  1. Que bonita essa sua maneira de descrever esse menino, as impressões que tem dele e as lembranças também...vc escreve muito bem, mesmo que as impressões que temos nunca sejam tão precisas...

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  2. Ele é meu irmão... Meu lindo e amado irmã mais novo.

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  3. Gostaria de manusear as palavras tão bem qto vc para expressar as coisas q tenho em mim....não tenho essa habilidade, q soh vc aki em casa tem....Desculpa pela rigidez....às vezes deixo-me endurecer, mas perder a ternura jamais....desculpa por não conseguir retribuir com palavras....obrigado, por me fazer enxergar as coisas com outros olhos, sempre me ajudou a fazer isso desde pequeno...Valeu...T AMO

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